Alunos e equipe de Cmei de Vitória aprendem Libras para incluir menina surda

fev 9, 2018

Ketlen Lopes tem três anos e nasceu surda. Mas só quando ela foi para a creche da Prefeitura de Vitória que os educadores perceberam a deficiência da menina. Um laudo médico mostrou que ela tem surdez profunda nos dois ouvidos. Para incluir Ketlen, a professora Elisamara Chagas Trindade, a escola e o setor de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação (Seme) começaram a pensar em estratégias de incluí-la, efetivamente, nas atividades feitas em sala de aula.

“Eu me angustiava ao ver que Ketlen ficava alheia ao que estava acontecendo na sala. Não queríamos que ela fosse apenas mais uma aluna matriculada. Queríamos que, de fato, ela estivesse incluída nas atividades feitas em sala de aula e na unidade”, conta Elisamara.

A menina passou a ter o apoio fundamental de dois professores de Libras, o Alberto Oliveira Leite e o Fábio Pitol, e também de uma professora bilíngue (de Língua Portuguesa e Libras), além da professora de sala e da pedagoga Silvana Delazari.

“A atuação em equipe foi essencial para que a inclusão de Ketlen acontecesse de verdade. O resultado tem sido excepcional”, destaca a então professora (e agora diretora da escola) Elisamara.

O trabalho desenvolvido no Cmei, que hoje é uma das unidades municipais que são referência para surdos, acabou indo além do objetivo inicial de adaptar a Ketlen à escola. Formou-se uma verdadeira corrente de inclusão, envolvendo os demais estudantes e também familiares dos alunos.

“Começamos a observar que as crianças foram se adaptando à Ketlen, até mesmo aprendendo a se comunicar com ela de alguma forma, por Libras ou mesmo por gestos. Passaram a entender como falar com a colega e isso foi ultrapassando os portões da escola, já que os estudantes também contagiaram pais e familiares e muitos passaram a querer entender o universo dos surdos e também aprender Libras”, comemora Elisamara.

Alberto revelou que os avanços de Ketlen na escola são notáveis e que os colegas de classe tentam se comunicar com ela em Libras (Ampliar imagem)

Diante disso, o Cmei tem realizado oficinas sobre o tema (incluindo aulas de libras) para alunos e para familiares. Os pais de Ketlen já passaram pelos cursos e a comunicação com a filha tem evoluído a cada dia. A própria Elisamara, professora regente da turma, está aprendendo e passou a se comunicar também em Libras, facilitando ainda mais o trabalho realizado em sala de aula.

“A gente percebe claramente que não foi a Ketlen que se adaptou à sala de aula e à escola, mas sim que nós, incluindo os alunos, nos adaptamos a ela. E isso é, de fato, inclusão”, afirma a professora regente.

A secretária de Educação de Vitória, Adriana Sperandio, explica que a inclusão social pressupõe justamente essa convivência entre os diferentes. “Esse estar das crianças nesse universo das diferenças faz com que o conhecimento da escola possa chegar a esse conjunto de estudantes nossos, por meio do trabalho especializado que é feito junto a eles”, enfatiza.

A pedagoga Silvana Delazari diz que o apoio da área de Educação Especial da Seme foi muito importante para que todo esse processo de adaptação acontecesse, além do empenho e dedicação da equipe da unidade. “Muitas vezes, um aluno especial acaba sendo visto como um problema porque muda a dinâmica em sala de aula. Mas isso não aconteceu. Aqui o especial é visto como uma oportunidade de enriquecer as salas de aulas e o aprendizado de todos”, pontua.

Silvana também enfatiza que os desafios da Educação Especial instigam a buscar soluções e estratégias para o dia a dia. “As oficinas que estamos realizando têm sido um sucesso. Estamos conseguindo multiplicar a ideia de que a inclusão é possível, sim, e fundamental”, acredita.

Este ano, o Cmei vai lançar uma espécie de cartilha com tudo o que tem sido ministrado e aprendido na escola sobre libras e sobre a inclusão de surdos de forma geral. Várias atividades nesse sentido têm sido realizadas e são registradas para fazerem parte dessa publicação.

Hoje, após alguns meses de trabalho especializado, Ketlen já está totalmente inserida no Cmei, muito mais à vontade e participativa durante as atividades. O professor de Libras Alberto Oliveira Leite, que é surdo também (todos os professores de Libras que atendem à rede municipal são surdos), diz que os avanços de Ketlen na escola são notáveis.

Ele revela que é emocionante ver os colegas da menina, todos na faixa etária de 3 anos, já tentando se comunicar em Libras para facilitar o contato com a colega de sala. Todos já sabem, por exemplo, a primeira letra de seu nome, não apenas em Português, mas também em Libras.

Outra curiosidade é que as crianças aprenderam também os sinais que identificam cada uma delas. São gestos simples que, segundo Alberto Oliveira, facilitam na hora de dizer a que pessoa está se referindo, sem precisar escrever o nome completo em libras. “É lindo de ver esse envolvimento das crianças e essa capacidade de inclusão”, ressata o professor.

A Política de Educação de Surdos da rede municipal de ensino de Vitória incorpora o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e a modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda, numa perspectiva bilíngue.

O objetivo, segundo a coordenadora de Educação Especial da Seme, Ana Lúcia Sodré, é garantir o processo de escolarização dos estudantes surdos em sala de aula comum e no Atendimento Educacional Especializado, com oferta no contraturno, pela via da instituição de um projeto socioeducacional, preferencialmente em tempo integral, voltado para atender às necessidades educacionais específicas desses alunos.

Atualmente, há 34 estudantes surdos matriculados na rede municipal de ensino de Vitória, sendo três em Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis), 28 em Escolas Municipais de Educação Infantil (Emefs) e três na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O município conta com 54 profissionais especializados que ficam nas unidades-referência. Desse total, são 22 professores bilíngues, 14 tradutores e intérpretes de Libras e 18 professores de Libras, sendo esse último cargo ocupado por profissionais surdos. “É importante ressaltar que esses profissionais atuam também com a comunidade escolar ouvinte, ofertando momentos de aprendizado em Libras”, afirma Ana Lúcia.

O município dispõe de oito escolas-referência para matrícula de estudantes surdos: seis Emefs e dois Cmeis. A rede municipal envolve os estudantes surdos no currículo escolar, nas práticas pedagógicas e nos processos de avaliação da aprendizagem desencadeados em sala de aula regular.

“Garante-se também a oferta do Atendimento Educacional Especializado, com atividades complementares e suplementares, considerando os diferentes percursos de aprendizagem desses estudantes”, pontua a coordenadora.